terça-feira, 16 de outubro de 2007

Na mira da polêmica

Se você entrou no cinema sem saber o que esperar, prepare-se para ser confrontado com um alien: um filme de ação brasileiro muito bem produzido e focado no ponto de vista da polícia sobre a ação da própria polícia. E que não se abstém de fazer refletir sobre moral e responsabilidade ao mesmo tempo em que diverte. Sim, é isso que você leu, diverte. Tropa de Elite tem estrutura dramática e ritmo calculados para não deixar escapar a atenção do espectador. Mas um filme que trata das raízes e consequências da violência deveria entreter dessa maneira?

Aqui começa a polêmica. Uma parcela da crítica acredita que não, e o filme do carioca José Padilha foi tachado de fascista. O motivo? Na première do longa-metragem no Festival do Rio, alguns espectadores vibraram nas cenas de tortura perpetradas pelo narrador, o Capitão Nascimento, integrante do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (BOPE) do Rio de Janeiro. Interpretado com a ironia que o personagem merece por Wagner Moura, ele acredita que os meios utilizados na seção onde trabalha são os adequados para conter o crime. No entanto, se descontarmos as reações da parte da platéia adepta do mantra "direitos humanos só servem para livrar a cara de bandidos", é possível perceber que a identificação do personagem com um herói não decorre tanto da truculência dos atos, mas da sagacidade de sua metralhadora verbal: julgando-se incorruptível, Nascimento não poupa ninguém na hora de analisar a roda-viva do tráfico de drogas e atribuir responsabilidades.

Só que apesar do discurso rígido, o personagem entra em conflito com a violência que tantas vezes serve de solução no seu cotidiano. Tem crises de stress porque teme não conhecer o filho que está prestes a nascer e, por isso, decide afinal se afastar do BOPE. Para tanto, precisa buscar um substituto entre dois íntegros aspirantes a policiais, o racional Matias (André Ramiro) e o impulsivo Neto (Caio Junqueira).

Não há dúvidas de que elementos como a trilha sonora enérgica e a montagem fragmentada se prestam a representar o mundo através da visão de Nascimento, principalmente em cenas com a em que Matias e Neto se deparam pela primeira vez com a ação dos caveiras (apelido dos militares do BOPE) e as que retratam o treinamento dos candidatos ao batalhão. Talvez por cacoete de documentarista, Padilha parece se eximir de ponderar sobre as atitudes do Capitão, tarefa que fica quase totalmente a cargo do espectador. Quando se trata de uma produção que aborda temas como a corrupção da polícia e alienação, essa ausência de posicionamento aparente do diretor provoca certo estranhamento. Mas qualquer um que esteja disposto a ver no filme uma obra de arte e não um espelho das próprias convicções percebe que o jogo de causas e efeitos em Tropa de Elite não é tão simples e maniqueísta a ponto de que mereça a alcunha de fascista.

O que ocorre é que, em seu segundo longa, o diretor de Ônibus 174 amplia a intensidade da proposta estética do que se convencionou chamar "realismo de favela" (a Gabi certamente pode falar melhor disso do que eu) testada por Fernando Meirelles e Kátia Lund em Cidade de Deus. É uma experiência renovadora, e diferentes camadas da população reagiram, fazendo com que Tropa de Elite batesse recordes tanto de pirataria quanto de bilheteria convencional no cinema nacional. Mesmo estando sujeito a concessões dramáticas como qualquer longa que se proponha a ser um sucesso de público, a necessidade de questionamento que o espectador sente frente à tela não pode ser ignorada. É impossível não pensar sobre os esquemas que permitem a existência do tráfico de drogas e o papel de cada indivíduo frente à violência, que como todas as coisas demasiado humanas acaba fugindo ao controle do Capitão Nascimento, de Matias, de Neto e de todos nós. É a superficialidade no alvo da câmera.

3 comentários:

Camila Mazzini disse...

assisti quinta passada.
no gnc moinhos.
a galera aplaudiu quando acabou.
:S

Gabi Voskelis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gabi Voskelis disse...

sobre o filme ter sido tachado de facista: ele revela muito mais sobre quem o vê do que sobre o diretor.

sobre a pirataria: melhor jogada de marketing ever. nunca vi o cinema tão lotado em uma sessão de filme nacional. e não conheço quase nignuém que não tenha visto ainda.