domingo, 17 de fevereiro de 2008

Bebê por classificados


Parece que Pequena Miss Sunshine inaugurou, no ano passado, a era das comédias independentes no Oscar. 2008 é a vez de Juno, um filme que, apesar de possuir um carisma inquestionável, deixa a desejar se comparado com as aventuras da família de losers.

Dirigido por Jason Reitman, do ácido e politicamente incorreto Obrigado por fumar, Juno é mais uma crítica à hipocrisia da sociedade americana - ou, por que não, da sociedade ocidental como um todo. Com uma abordagem leve e nada descompromissada, Reitman faz um passeio por temas como gravidez na adolescência, aborto, maturidade e amor. Tudo isso pelos olhos da jovem Juno, interpretada por Ellen Page, que aos 16 anos engravida de um colega de colégio e precisa decidir como lidar com a nova descoberta.

Logo na introdução do filme percebemos que não se tratará de uma daquelas histórias bobinhas sobre relacionamentos na adolescência, com jovens estereotipados, festas e final feliz. Juno é estranha. E autêntica demais. Por isso, quando descobre que está grávida (após fazer TRÊS testes de gravidez), ela não decide casar, não decide criar a criança com ajuda dos pais e muito menos abortar. Ela simplesmente tem a idéia de DOAR o bebê para um casal que achou nos classificados do jornal, ao lado de anúcios de pássaros raros. Assim, muito conscientemente e com motivos bem fundamentados.

A partir daí, acompanhamos a gravidez da menina, seus conflitos com as mudanças do corpo, sua relação com o pai do bebê e com os futuros pais da criança, um casal milionário que... digamos assim... não está bem afinado nos planos pro futuro.

Apesar das quatro indicações para o Oscar (melhor filme, direção, roteiro original e atriz para Ellen Page), Juno não é nenhuma obra prima. Mas tem quatro pontos decisivos para ser um filme que valha (e muito) a pena ver até sem a carteirinha de estudante.

1. O longa não tem julgamentos morais. Nada de "devia ter usado camisinha" ou "isso que dá ser sexualmente ativa tão cedo". Pelo contrário. Apesar de tomar uma decisão no mínimo inusitada e contra os instintos naturais de maternidade femininos, Juno continua sendo uma menina carismática demais. A frieza dela não causa repulsa em nenhum momento. Ponto pro diretor, não deve ter sido nada fácil encontrar o meio termo entre a inconseqüência natural da juventude e a falta de humanidade.

2. A atuação de Ellen Paga realmente é um primor. A personagem carrega uma certa apatia e desprezo pela humanidade e suas convenções que a atriz consegue transmitir com sucesso. Frases como "estava resolvendo um problema que está bem além do meu nível de maturidade" demonstram uma ironia afiada que é sempre bem-vinda.

3. A trilha sonora. Com músicas de The Velvet Underground, Cat Power e Belle & Sebastian, é impossível não sair do cinema empolgado pra baixar toda a trilha sonora.

4. O desfecho é absolutamente natural, assim como é a vida. Nada de grandes tragédias, nada de felicidade eterna. Tudo assim, como tem que ser, normal. Inclusive com uma música bem "nada de mais".

E vale também prestar atenção na forma que Reitman trata o aborto, mostrando a banalização dessa prática nos Estados Unidos. Há uma espécie de ONG na qual com uma simples ligação se consegue um aborto de graça e sem maiores explicações. A clínica e a atendente são bizarras. Além disso, nenhum dos personagens deixou de cogitar o aborto como uma alternativa. Nem a própria Juno.

Antes que eu me esqueça: o filme é engraçadíssimo, ok?

2 comentários:

Alexandre Alliatti disse...

Não vi, mas já gostei.

Chantinon disse...

É a melhor crítica de um filme que já li até hoje.
Tenho a impressão que os críticos de hoje são tão estúpidos quando boa parte da humanidade. Na verdade os filmes hoje são mais difíceis para compreensão do ser mediano.
Queria ver uma critica sua (vocês?) sobre "Onde os fracos não tem vez"
Um filme fácil, mas que me parece tão simples que ninguém entende a mensagem.